segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Giveaway livro Baloiço

Participa neste concurso e habilita-te a receber um exemplar do meu novo livro Baloiço.
Para isso, deverás:
 1.Gostar da minha página de autora do Facebook Margarida Frias Rocha,
2. Partilhar esta publicação no Facebook,
3. Comentar esta publicação, indicando dois amigos a quem aconselhavas um dos meus livros.

O vencedor será o nome sorteado no dia 19 de janeiro, tendo em consideração os participantes até às 24 horas do dia anterior. O print do momento do sorteio será publicado neste blog e na página.

Podes participar as vezes que quiseres, desde que identifiques amigos diferentes. 
Boa sorte!!

https://www.facebook.com/919167854925084/photos/a.927961754045694/1152358404939360/?type=3&theater


domingo, 23 de dezembro de 2018

Livro velho - Conto da coletânea Natal em Palavras

O sono já não era como antes. Na verdade, em muitos momentos durante a noite e durante o dia, não sabia exatamente se estava a dormir ou acordado. Por vezes ouvia vozes a percorrerem-lhe a casa. Aproximavam-se do quarto e afastavam-se até à cozinha. Não raro, ouvia a sua própria voz a esmorecer, como se estivesse a deslocar-se até ao outro lado da casa e, depois, reavivava, como que a aproximar-se de novo. Mesmo antes de abrir os olhos, sentia-se acordado e deitado na cama. No seu lado da cama. O resto da cama estava vazio e os cobertores já não lhe pesavam como antes. De cada lado da cama, as mesinhas de cabeceira mantinham-se como sempre. Limpas e arrumadas. Cada uma com o seu candeeiro de leitura. O candeeiro do outro lado da cama há muito que não era ligado. Tinha sido a lâmpada do seu lado que se estragara e ele fizera a troca, sem substituir a do outro lado da cama. Ao fundo da cama, a cómoda mantinha-se igualmente inalterada. As gavetas, bem trancadas, pareciam que nunca mais tinham sido abertas. Dois gavetões, na verdade. Um com a roupa dela, outra com a sua própria roupa. Em cima da cómoda pousava uma moldura com uma fotografia tirada no dia do seu casamento. A foto tinha mais de cinquenta anos. Bastante mais, mas ele não se lembrava quanto. Os noivos sorriam-lhe. Estavam felizes. Ao lado da moldura existia um terceiro candeeiro que era ligado uma vez em cada noite. Por baixo da luz, duas caixas. Uma por cima da outra. A de cima era de um amarelo pálido e a de baixo, castanha e um pouco mais alta. A de cima continha uma outra, mais pequena, e era azul para se distinguir de uma rosa que já não andava por ali. Estaria provavelmente guardada na prateleira fechada da mesinha de cabeceira do outro lado da cama. Do outro lado da cama, em cima da outra almofada branca, ele mantinha uma recordação dela. Um livro escrito por ela, quando ainda eram namorados. A presença física daquele romance e a sua sensação ao tocar-lhe, fazia-o tomar consciência da sua própria identidade, muitas vezes com uma força que o fazia agarrar-se à vida. E a recordação daquela narrativa trazia-lhe de volta a vida. A sua vida, a vida dela, que já não era sua e a vida do filho. A verdade é que ele sempre vira o filho como um velho e, quando este morreu, aos quarenta anos de idade, aparentava sessenta ou mais, parecendo mais velho do que ele próprio nessa altura. Tudo isto eram coisas que ele já não contava a ninguém. Mas, hoje, era natal e os seus planos eram outros. Hoje ia deitar-se de lado. Virado para o outro lado da cama. Hoje ia olhar o livro que ela escrevera quando ainda eram namorados. E ia lê-lo, em silêncio. Margarida Frias Rocha Porto

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Registos da Apresentação do livro Baloiço em Lisboa

Sobre o livro "Baloiço". Maria Antónia Magalhães

“A Margarida mostra-nos a crença na superação interior, como forma de delinear o caminho rumo à felicidade, por oposição a uma quase fatal reprodução das “dores da vida”. Esta crença, que encontra eco em vários momentos do texto, remete-nos para a construção de um sentimento de esperança/superação perante conjuntos de complexidades e incertezas. Numa linguagem sem pretensiosismos, fala-nos de situações problemáticas, por vezes mais sugeridas do que explicitadas, num dialogismo latente com o leitor. A unidade da obra não está no enredo propriamente dito, não cria no leitor a ânsia pelo desenlace, mas imerge-o nas relações que se entretecem entre personagens, emoções, intuições, memórias, locais, acontecimentos. … E procura convidar o leitor a mergulhar nas suas próprias memórias, num tom intimista, muito bem conseguido. Podemos dizer que a autora não lançou o seu olhar sobre uma janela que qualquer outra pessoa abriu, mas atravessou-a, saiu, questionou-se, envolveu-se, desmantelou, talvez, a própria janela e libertou tudo o que estava lá dentro, para que se torne visível ao coração dos leitores o que estava encerrado para lá da vista. E vários foram os processos: recordar, selecionar, excluir, elaborar, tecer, distribuir empatia aqui, mas não ali… Importante será referir que, num texto povoado por personagens que vivem problemas dramáticos, encontramos momentos de grande harmonia: a doçura de Lídia, a revelação da conceção de Sofia feita pela sua mãe em fase terminal, o encontro de Maria e Pedro em caldas de Aregos… É um texto onde se pressente uma certa melancolia, mas, ao mesmo tempo, cria esperança na vida. Um sentimento positivo que deixa entreabertas possibilidades para o(s) futuro(s), convidando-nos, ou exigindo-nos que sejamos parte ativa na sua construção. Não é uma narrativa de “foram felizes para sempre”, mas opõe-se claramente à narrativa do “tudo foi tão mau que nunca poderá ser revertido”. É todo ele uma mensagem de otimismo. Todos devemos lê-lo!!” Maria Antónia Magalhães, na apresentação do livro Baloiço.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Sonhar em Março. Texto de Margarida Frias Rocha. Ilustração de Manuela Melo.



Caíam pedras do céu que se desfaziam ao tocar a areia.
 A liquidez penetrava por entre os grãos amarelos, torrados. Agora húmidos.
 Ainda assim, o ar não estava cinzento. O tom alaranjado e quente preenchia a atmosfera. Fim de tarde aquecido que antecedia a noite estrelada e fria.
 Nos contrastes, todas as estações coabitavam neste dia de março.
Rolando das dunas, os miúdos tropeçavam uns nos outros, quais pintassilgos caídos do ninho.
Aconchegada no poncho, abracei-me, enterrando as mãos frias no colo. Por baixo do matizado garrido do xaile, o vestido preto e justo moldava-me o corpo. O mesmo vestido despido pelo teu pai no dia em que iniciaste a tua vida em mim. Resquícios de um ficheiro erótico hoje arquivado. (...)
O silvar de um carro a passar lá atrás, na estrada, faz-me levantar os olhos para cima da duna e o senhor Gonçalo acena-me ao longe, enquanto faz tinir a buzina da sua bicicleta. Sorrio-lhe, esperando com isso dispensar o aceno, para não ter que retirar o braço amolecido junto ao peito. A preguiça e o aconchego em mim mesma sabem-me bem.
 O sol brilha na água e espelha-se em mim. Momento feliz.
Os miúdos voltam a subir a duna, preparando mais uma descida tumultuosa e risonha dos seus corpos. Com roupas amarrotadas, são croquetes panados de areia, resíduos de plantas aquáticas e felicidade.
Invadem-me recordações do marido que ainda amo. Lembro-o empoleirado numa das árvores do outro lado do lago, ajudando uma mãe pássaro a fabricar o seu lar. Tempo anterior ao teu, quando ainda não eras em mim.
O Zé, filho da Lucinda, com mais cinco ou seis meses que tu, é o mais velho do grupo. É ele que comanda as tropas e que mais rapidamente alcança o cimo da duna. Lembro-me que foi o primeiro a sair do alcance da minha vista. O Zé. Não foste tu. Tu foste o último que deixei de ver. Penso eu que sim. É o que recordo. (...)
De repente,… um barulho estridente! Um som prolongado a acabar numa batida seca. Já não penso, já não ouço, olho mas já não vejo nada. 
A noite instalou-se e o silêncio inundou a atmosfera.
Calor, calor intenso, insuportável. De tão forte, tolda-me os sentidos e os movimentos. Não sinto mais vida em mim. Toda a existência colocada em pausa (...)
Não, tão depressa não! Tenho medo. Posso ir mais devagar…Não, tão devagar não! Tenho que correr para chegar mais depressa! O cimo da duna ainda está tão longe e as minhas forças falham! Não podem falhar!
Mais um ou dois passos e os meus olhos alcançam o outro lado da duna. Sei que no outro vale existe uma estrada, uma rua empedrada e tosca, onde muitos veículos jovens ou velhos e por vezes bêbados correm ao se sentir sozinhos como que fugindo deles próprios.
 Eu sei que é assim e até os entendo.
 Mas hoje não! (...)
 Só falta mais um passo.
 Estanco um segundo e olho o mar lá atrás. Fujo para um momento anterior ao que não quero, ao que tenho receio de não conseguir viver! Mas tem de ser.
 A possibilidade findou…
Quando acordo, o coração volta para o peito. Desacelera devagar.