quinta-feira, 31 de dezembro de 2015
quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
segunda-feira, 14 de dezembro de 2015
ÁLBUM ABERTO / Margarida Frias Rocha
Hoje não está frio. Nem calor. Mas a
mantinha azul, enrolada há um bom par de meses no canto do sofá creme, olha
para mim. Sabe bem desenrolá-la em cima do meu corpo que se coloca
instintivamente em posição fetal.
A sala está arrumada, tal como a D.
Felismina a deixou ontem e os miúdos, que jantaram em casa de amigos, ainda não
voltaram para a caracterizar com os seus modos tão próprios.
Reparo no álbum de viagens – antigo já, pois há muito que não
imprimimos nenhuma foto – esquecido debaixo da manta e que agora escorrega para
o chão, para aquele ponto único e cintilante da sala, efeito do feixe de luz
proveniente do sol outonal.
Vislumbro, pelo canto do olho, a folha
verde de ponta castanha, através da ampla janela que abre a sala para a vida no bosque.
A página do álbum aberta mostra-me
sorrisos felizes e doces. Em Bruge, num baloiço que dançava por cima da neve
que se desfazia ao sol de uma primavera, vocês riam com as cabeças levemente
inclinadas para trás. As pontas dos cabelos que espreitavam do gorro voavam,
tal como as vossas emoções. E as minhas, agora.
E esta é só mais uma das múltiplas
recordações felizes que vou – vamos – somando ao longo da vida. Tenho tudo para
me sentir feliz, mas….
Uma
gota de alguma substância gelada pica-me o lado esquerdo do coração, preparando-se
para a qualquer momento ser bombeada através do sangue e espalhar-se pelo corpo
todo.
Não, não me posso encolher. Tenho que
reagir!
Com o braço direito, afasto a manta e
estico as pernas.
O telefone toca… Percebo que não fui a
tempo.
Falhei por menos de um segundo!
Já tinha de ser.
*
A caminho do hospital, o carro conduz-se
sozinho. Só podia… eu não estou em mim. Uma nuvem densa pesa-me na cabeça, na
fronte e em redor dos olhos que fitam ao longe a estrada. Pressão arterial alterada…diria a Raquel. Sei que o que ela saberia
e não quereria dizer-me seria…. estás em
pânico, mãe, e não podes!
Sinto o carro pisar uma cratera no
asfalto e lembro-a dizer ainda sem dois anos: mamã, pópó caiu!. Quero sorrir, mas não consigo.
Mamã,
o papá está bem? Está à nossa espera? Vai ser operado?
Quereria saber o Nuno, muito objetivo e direto nos seus receios. Com ele tem
que ser tudo às claras, preto no branco, verdade.
Mas eles não estão no carro e, sem eles,
não sei muito bem como chegarei ao hospital a tempo de te ver.
Quando digo não sei, é porque não sei
mesmo. Como disse, o carro orienta-se sozinho.
*
Milagrosamente, consegui estacionar o
carro na Alameda ao lado do Hospital S. João.
Só falta mais um pouco até alcançar a
porta. Já a vejo - aliás, é a única coisa que a minha visão alcança - e está
desimpedida. Estranho a ausência de movimento neste local.
*
Ao fundo, vejo-te de pé. Sorris para
mim, enquanto os teus braços se abrem para me acolher num amor bem conhecido.
Vens ao meu encontro.
Parei. Para onde me fogem as forças? Não
sinto… nada.
Agora sei que me levarás de volta ao
sofá creme da nossa sala e me envolverás na mantinha azul.
Foi
só um susto! – Dirás, retendo os braços em mim. Os olhos
pousados nas fotos do álbum aberto.
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