segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Entrevista em Notícias da Universidade do Porto

Margarida Rocha

margaridarochaApesar de se ter licenciado pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto  (FPCEUP) em 1993, Margarida Rocha é uma alumna que mantém uma relação próxima com a Universidade do Porto. A psicóloga especializada em Consulta Psicológica de Jovens e Adultos colabora com a faculdade como orientadora de estágios curriculares de Mestrados em Psicologia e, em parceria com a Universidade e a Câmara Municipal do Porto, tem orientado o trabalho voluntário de estudantes universitários que prestam apoio tutorial a alunos do ensino básico.
Logo após a licenciatura, iniciou funções em Serviços de Psicologia e Orientação na zona norte do país, tendo regressado à sua cidade e às escolas do Porto em 1998. Atualmente trabalha no Agrupamento de Escolas Aurélia de Sousa e publica com regularidade textos que abordam as temáticas com que lida diariamente e que se têm revelado orientadores de boas práticas na educação.
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https://noticias.up.pt/pessoas_da_up/margarida-rocha/#.WDLffZSUXxA.gmail

terça-feira, 18 de outubro de 2016

VOLUNTARIADO ESTUDANTIL NO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS AURÉLIA DE SOUSA

A Escola Básica Augusto Gil está há seis anos no Programa Voluntariado Estudantil, em parceria com a Universidade do Porto e o Projeto Porto de Futuro, promovido pela Câmara Municipal do Porto.
Temos recebido cerca de vinte cinco estudantes universitários por ano escolar, provenientes da UP, de diferentes Faculdades ou Escolas Superiores, onde se encontram a frequentar uma licenciatura, um mestrado ou um doutoramento.
Quando chegam à nossa escola, é-lhes atribuído um aluno sinalizado com dificuldades de integração neste contexto, com frágil motivação para o sucesso educativo, ou com problemas nos seus sistemas pessoais, familiares e sociais.
Como coordenadora do programa aqui na escola, procuro primeiro conhecer as características e dificuldades de cada aluno sinalizado pelos diretores de turma, professores, encarregados de educação ou por mim própria, enquanto psicóloga neste SPO e, no momento da entrevista com cada estudante universitário voluntário, avalio se o seu perfil se adequa a este ou aquele aluno.
Muitos são os alunos que me pedem para continuar no projeto no ano seguinte e a grande maioria prefere ter o acompanhamento do mesmo voluntário. Do mesmo modo, também muitos dos voluntários que repetem a experiência ajustam o seu horário disponível aos alunos que acompanharam no ano anterior.
Estes adolescentes normalmente ficam muito ligados aos seus “tutores”. Inicialmente é assim que os tratam. Depois, com o tempo, passam a chamá-los pelo nome. A relação vai sendo construída numa base de amizade. Os estudantes tornam-se, além de amigos, referências muito importantes, um modelo a seguir, alguém que na escola tem uma idade mais próxima da sua e não representa a autoridade do professor. Pode ser mais fácil a recetividade da informação (conteúdos escolares, temas culturais e sociais,..) veiculada por estes jovens que utilizam uma linguagem correta, mas mais semelhante à sua. E é neste registo que é transmitido um “saber-fazer” nos comportamentos de estudo, no fazer a pasta de uma forma mais prática e eficaz, no como dizer isto ou aquilo ao colega, ao professor, ao pai ou à mãe, enfim… no crescer e autonomizarem-se de uma forma saudável e feliz.
Alguns estudantes mostram-se empenhados em partilhar as suas próprias experiências com os “seus” alunos de modo a mostrarem como encontraram soluções para problemas semelhantes aos que eles experienciam neste momento, motivando-os a procurar caminhos de sucesso. Muitas vezes, estes voluntários vêm ter comigo ao SPO para se aconselharem sobre o seu modo de agir, certificarem-se que as estratégias que têm em mente são praticáveis e podem ser úteis para o “seu” aluno e, sabendo que eu os conheço, pedem-me para antecipar reações e impactos.
Procuro que cada tutor articule periodicamente com o diretor de turma do aluno que acompanha e que se vá inteirando do seu processo de aprendizagem, assim como também lhe passe alguma informação que lhe pareça importante que os professores tomem conhecimento (desde que o aluno dê essa autorização).
Para além de uma avaliação muito positiva que todos os intervenientes fazem do programa, ao longo destes anos já ocorreram algumas situações muito interessantes, em que a figura deste “tutor” se revelou uma ajuda fortíssima e uma ponte estratégica e fundamental para a resolução de problemas.
Um bem-haja ao programa!
Bom trabalho, e um Ano Feliz!
A coordenadora do Voluntariado Estudantil no Agrupamento de escolas Aurélia de Sousa, Margarida Frias Rocha




terça-feira, 4 de outubro de 2016

SIMÃO, Conto de Margarida Frias Rocha

Felizmente, Simão nunca me disse que não queria ir para a escola, nem mesmo no ensino pré-escolar ficava a chorar de manhã, tal como a irmã sempre o fizera, deliberando nos meus dias tumultos de ansiedade, esforços descomunais para me concentrar nas tarefas laborais até à hora de voltar a olhá-la quando reentrava na sua sala ou no recreio do jardim-escola. Encontrava-a quase sempre sorridente, brincalhona, distraída e feliz.
Com o meu filho não foi nada assim. Levantava-se da cama sem resistências, adotava um processo quase automático de se arranjar, ou se deixar arranjar, e fazia a viagem até à escola calado. A sua cadeira de bebé no banco traseiro do automóvel permitia-lhe a elevação suficiente para seguir a paisagem que lhe alimentava os sonhos, queria eu acreditar.
Mas a saída era o mais complicado. Como se não quisesse abandonar uma segurança só conseguida na escola e que não encontrava na nossa casa. Houve um tempo, quando Simão frequentava a sala dos cinco anos, em que as birras – ou lá o que eram aqueles episódios terríveis de gritos, esperneios e gestos que faziam lembrar uma tal aeronatação – faziam-me corar de vergonha perante os olhares disfarçados de outros pais que lá tentavam mostrar alguma compreensão, dos que não escondiam sorrisos divertidos ou ignorantes e ainda dos outros que ficavam verdadeiramente incomodados.
Incrivelmente, não me lembro de alguém que se tivesse aproximado alguma vez de nós, do meu desespero materno, já em desistente autoridade e da luta histérica meu filho.
Depois de uma viagem de regresso a casa, em que o seu humor alternava entre o amuo silencioso e uma fúria desmedida, a subida no elevador era mais uma luta titânica.
Felizmente, até à hora do jantar, Simão ia sossegando. Normalmente acalmava no caldo da sua banheira recheada com os brinquedos que o acompanhava desde os primeiros dias da sua vida.
Quando aterrava no sofá, depois do jantar, Simão abraçava o seu Xico, o pequeno cobertor que herdara do pai, vigilante, pela segunda geração, de sonhos infantis.
Na primeira fase do seu sono, Simão sempre pareceu mais novo do que era na realidade e o seu rosto adormecido lembrava-me a sombra da sua última ecografia, um dos seus primeiros retratos.
Nesta fase do dia eu relaxava e quase me esquecia do que acontecera à saída da escola. Voltava a olhá-lo com doçura. Tinha comigo de volta o meu menino de sempre.
Com a entrada no primeiro ciclo do ensino básico e, simultaneamente, num desporto coletivo, o futebol, esta etapa foi ultrapassada e todo uma nova fase foi vivida sem mais episódios alarmantes. A crise dos cinco anos tinha passado! Não me lembro se cheguei a falar desta situação à pediatra, mas é provável que não, pois coincidiu com a reforma de uma médica e com a procura de uma outra que oferecesse uma confiança continuada.
Hoje Simão tem dez anos. Frequenta uma escola básica do Porto, perto do meu local de trabalho. Tenho um pequeno, mas charmoso, salão de chá no centro histórico do Porto.
Confio na escola e simpatizo com o seu diretor de turma. Conheço alguns casais que escolheram o mesmo estabelecimento de ensino por razões semelhantes às nossas: ambiente acolhedor, confiança expectável na competência dos seus profissionais, resultados conseguidos acima da média nacional. E, principalmente, Simão verbaliza que gosta da escola, refere os feitos dos colegas, elogia os amigos, menciona os professores de um modo agradável. Sai da porta da escola sorridente e triunfante. Pelo menos, até agora. Ou… até há uma semana atrás, ou…. até há um mês atrás?...
Faz três dias que o encontrei no quarto a meio da tarde. Não tinha tido aulas, a irmã também não e eu trouxe-os para casa mais cedo. Apesar do sol, o ar primaveril ainda se mantém fresco e a minha filha andava a queixar-se de dores de garganta. O sol invadia cada divisória do apartamento, mas no quarto de Simão a luz não entrava. A persiana estava totalmente corrida.
No momento em que entrei no quarto, Simão batia com a cabeça na parede. Repetidamente. Não tentava amortecer o embate com os braços. Pelo contrário, atirava-se com toda a sua força. Era como se toda aquela fúria provocasse uma dor muito mais suportável do que toda outra dor que o meu filho estivesse a sentir. Abracei-o. Acalmou.
Mantive-me calada, disfarçando o quanto me sentia assustada. Encaminhei-o para o banho e, enquanto procurava o seu pijama, reabri o estore. *
A noite estava mais calma. Os miúdos adormeceram e eu tive um tempo para ler o romance que me aguarda há vários meses pousado na mesinha de cabeceira. Gosto imenso de ler ficção ou romances históricos, mas o cansaço do dia-a-dia e o quente da cama pesam-me nos olhos que teimam em fechar-se.
Sentia que já tinha passado pelo sono quando percebi que, no quarto ao lado, Simão se agitava na cama. Pelo som, percebi que a sua almofada veio mais uma vez parar em cima da sua mesa-de-cabeceira, derrubando de novo o seu candeeiro de apoio à leitura. Adivinhei o corpo do meu filho torcido, encolhido, os braços tombados para fora do edredão, as mãos a esfriarem, pendoradas na borda da cama.
Temi mais um episódio de terrores noturnos que tanto nos afasta e faz sofrer, mas parecia que, por um momento, podia contar com uma brecha e procurei descansar mais um pouco.
Adormeci.
Acordei com um nome no ar: - Marco. Quem o tinha? Foi Simão? Ou teria sonhado?
Desperta, pus-me à escuta, mas não ouvi mais nada. Tudo ficou em silêncio, sossegado.
Voltei a adormecer.
Voltei a acordar:
- Não, Marco!
Mais um barulho que não identifiquei logo, um balbuciar que não decifrei de imediato e novamente o silêncio.
Levantei-me devagar e, passando pelo quarto do meu filho, espreitei e dirigi-me primeiro ao quarto contíguo, onde a minha filha dormia, descansada. Joana sorriu no sono. Deslizei os meus dedos, ao de leve, pela sua testa e coloquei os meus lábios à sua bochecha quente e macia. Aconcheguei-a e voltei ao quarto do meio.
Simão estava acordado e olhou-me.
- Estás bem, querido?
Sorriu e fechou novamente os olhos. Parecia sereno.
Ajoelhei-me no chão e coloquei devagar a almofada debaixo da sua cabeça, endireitando-lhe a posição do resto do corpo. Procurei decidir se falava com ele ou se esperava que voltasse a adormecer. Desejei tanto que ele me contasse o que se passava consigo, o que o atormentava!
Toquei-lhe na mão e percebi que já adormecera.
Sem vontade de me separar de Simão, procurei uma posição confortável encostada à cama do meu filho e recordei um episódio que ocorrera há cinco ou seis anos.
Tinha quatro anos quando, numa tarde divertida com a irmã e o pai no parque do Jardim do Covelo, caiu do slide e partiu o braço. Quando o meu marido me ligou já estavam os três nas urgências do S. João.
Cheguei lá num instante e fui eu que o acompanhou na sequência de serviços: triagem, cirurgia, raio X, ortopedia. Queria trocar de lugar com ele. Sabia que as suas dores eram muitas.
Não verteu uma lágrima. Nem uma única vez. No entanto, nessa tarde, as unhas da sua mão direita, a do braço são, deixavam meias luas cravadas na minha mão esquerda.
Sempre foi assim, o meu filho. Calava as lágrimas, silenciava as queixas, recusava-se a pedir ajuda.
Quem me dera que agora fosse diferente! O que poderei fazer para conseguir que ele fale comigo, que partilhe as suas dores, que confie?
*** Durante anos, o meu marido trabalhou na construção de obras públicas, o que o obrigava a andar por todo o país. Por norma, vinha a casa uma noite a meio da semana e depois, ao fim-se-semana.
Apesar de mantermos o hábito diário de irmos partilhando por telefone o que nos ia acontecendo ao longo do dia, acho que, relativamente às minhas preocupações com o nosso filho Simão, procurava não lhas transmitir na íntegra, de modo a não o afligir em demasia e aumentar ainda mais o seu sentimento de impotência por se encontrar longe de casa.
Foi em vão. Eu sabia que uma noite qualquer em que André estivesse cá, o Simão teria uma das suas crises de terrores noturnos. Só não adivinhei que seria como foi. Dessa forma tão aterradora.
André costumava fazer a viagem para casa sentindo-se extremamente cansado, física e mentalmente. Esgotado pelas noites mal dormidas, pelo excesso de trabalho que não conseguia delegar nos colegas e colaboradores, teimando em acumular tarefas. Sente que tem de arranjar uma forma de dar a volta a este assunto, mas para já, está longe de conseguir.
Quando atravessa uma das pontes do Douro ou percorre a Via de Cintura Interna, sente a aproximação do calor da casa, o abraço dos filhos, que pulam ainda para o seu colo mal sentem a porta da entrada a abrir-se ou o meu sorriso, o cansaço esvai-se, renova-se em energia e dá-nos toda a sua atenção.
Num sábado, há duas semanas, quando Simão acordou, o pai estava deitado ao seu lado. Depois de mais uma noite agitada, em que Simão percorreu a casa toda a dormir, mas de olhos abertos e berrando a plenos pulmões contra monstros para nós invisíveis, cansado e preocupado, André quis ficar perto do filho.
Ansiava pelo momento em que ele iria abrir os olhos e o visse ali, na sua cama. Chegou a recear a sua reação, mas Simão sorriu-lhe. Encorajado, o meu marido perguntou-lhe se se lembrava do seu sonho. Já na última parte da noite, Simão tinha-se mexido bastante na cama, mas sem abrir os olhos nem gritar e gesticular daquele seu modo tão ameaçador.
Contou ao pai que tinha sonhado com um colega da sua escola, mais velho um ou dois anos. Tinha ideia que frequentava o sexto ano, mas talvez já tivesse ficado retido uma ou duas vezes. Chamava-se Marco.
No sonho, Marco arremessava pedras na sua direção durante o intervalo em que se encontravam no recreio, mas como ele se atirava para o chão, era um outro seu amiguinho que apanhava com a pedra e se magoava muito. Tratava-se de um sonho recorrente.
Na sua conversa com o filho, André ficou a perceber que Simão tinha realmente algum medo do tal Marco, mas o que o afligia mais era não conseguir ajudar o amigo, sentindo-se mesmo culpado por ser o outro a levar com a pedra e a ficar ferido. Simão acordava sempre nesta parte do sonho, nunca conseguia completá-lo de um modo mais resolvido.
André tentou desdramatizar a situação, fazendo ver ao filho que se tratava só de um sonho, mesmo que recorrente, e procurou perceber se na realidade escolar alguma coisa o perturbava. Mais tarde contou-me esta conversa e resolvi falar do assunto com o seu diretor de turma, logo que pudesse ir à escola.
Conheço o Marco. Deve ter uns doze ou treze anos, embora a sua estrutura física o aproxime mais dos dez ou onze. Usa o cabelo rapado e normalmente traz na mão, quando transpõe a porta da escola para a rua, um boné de um número superior ao seu, que coloca, nesse momento, na cabeça, de modo a cobrir-lhe o olhar. Usa umas calças sem cinto e deixa-as cair até ao meio das coxas, o que faz com que fique com a roupa interior, de uma cor vistosa, à mostra. Já com o boné na cabeça, o seu andar torna-se gingão, os pés nas sapatilhas sem meias, com a biqueira levemente para fora.
Nunca reparei que que me tivesse olhado de frente, mas percebo que olha os outros miúdos que aguardam os pais, com um ar trocista. Este aluno já me tinha chamado a atenção, não sei se pela sua aparência, se pelos seus gestos irreverentes, se pelo seu olhar vazio.
Posso agora adivinhar que dentro das paredes da escola e em alguns momentos protegidos dos olhares dos adultos que nela trabalham, o Marco faça algumas vítimas em que descarrega as suas frustrações. No entanto, posso estar a ser influenciada pelos sonhos do meu filho e extremamente precipitada e injusta.
Perguntei a Simão se algum menino da escola se aproximava dele de algum modo que ele não gostasse. Simão assegurou-me que nada de menos bom se tinha passado com ele, embora assistisse por vezes a algumas brincadeiras mais rudes entre os colegas.
Quero acreditar no meu filho, que, enquanto fala, me olha diretamente nos olhos. Mas então…. Fica a faltar a explicação para os seus medos e pesadelos noturnos.  
*** Logo que consegui uma vaga no horário de atendimento do diretor de turma do Simão, fui reunir com ele e falei-lhe das nossas preocupações. O Dr. Júlio Resende é o seu professor de Português e por isso é aquele que mais tempo por semana passa com a turma. Segundo me informa, considera o grupo do Simão um pouco imaturo para a sua idade, que se distrai facilmente dos assuntos que estão a ser trabalhados nas aulas, mas quase todos os alunos acabam por conseguir compensar com o facto de também serem trabalhadores e terem de uma boa capacidade para apreender os conteúdos. Os resultados são bastante satisfatórios. Quanto aos receios por mim apresentados, revela que está convencido que nada de anormal se passa com os seus alunos, mas promete ficar atento a algum sinal. Mostrando-se sensibilizado com o que lhe conto em relação à agitação noturna do Simão, acaba por ser ele a indicar-me uma pediatra da sua total confiança, que acompanha os seus próprios filhos.
Nesse mesmo dia marquei uma consulta com a doutora Martina Soares, que, por sorte, tinha tido uma desistência e atendeu-nos dois dias depois. Gostei dela, o suficiente para confiar quando me assegurou que as crises de terrores noturnos por que o meu filho passava eram perfeitamente normais, apesar de estarem a acontecer um pouco mais tarde do habitual.
Quanto à interpretação dos sonhos eram um assunto um pouco mais complexo, mas neste caso eu não deveria dar demasiada importância, pois não lhe parecia estar a acontecer nada de patológico e o facto de nos mostrarmos preocupados só contribuiria para aumentar a sua ansiedade. De qualquer modo, na sua opinião, o ter pedido a colaboração dos seus professores, que passariam a estar atentos, tinha sido uma boa atitude.
Mesmo sabendo que o que tinha a fazer era controlar a minha própria ansiedade, ainda nesse mesmo dia propus a Simão que fossemos jantar os dois a um sítio escolhido por si.
Gostou da ideia. Não era muito costume jantarmos fora de casa e muito menos os dois sozinhos.
Ainda não tinha tido a oportunidade de passear à noite pela zona da Ribeira do Porto desde que fora reabilitada e considerada património mundial, apesar do meu salão de chá ser na perto da Avenida dos Aliados. Achei que a ocasião era ótima.
Deixamos o carro ao lado do Mercado Ferreira Borges e descemos até à Praça do Cubo de mãos dadas. A princípio fiquei hesitante em dar a mão ao meu filho, que com dez anos passa por uma fase de conquista de autonomia, mas ele agarrou-a com firmeza. Entendi que a sua atitude de se afastar de mim enquanto caminhamos na rua só seria necessária aquando nas imediações da escola, onde corríamos o risco de encontramos os seus colegas.
A noite estava muito agradável. A temperatura era amena e a lua refletia-se no Douro. Como a consulta médica já tinha tido início muito tarde, não tínhamos lanchado e agora sentíamos fome. Dirigimo-nos para um restaurante bar localizado na Ponte Pênsil.
Senti que Simão crescera e parecia-me notar diferenças desde o momento em que acordara nessa mesma manhã. Corpo esguio, costas direitas, camisa clássica por cima das calças de ganga que ainda não estavam rasgadas nos joelhos, camisola de malha azul-marinho justas ao corpo que alargava quase dissimuladamente. Olhei o meu filho e senti que deveria arriscar mais uma conversa.
Momentaneamente, sinto o sangue circular nas têmporas, o movimento do ar mais lento nas narinas e os batimentos cardíacos aumentarem de intensidade. Receio não conseguir controlar a fluidez da minha voz. Porquê esta ansiedade? Porque sei que não pode correr mal. Tenho que abrir a porta do coração do meu filho e deixá-lo caminhar na minha direção.
Olho a sua testa e para aquele lugar no meio dos olhos onde o beijava demoradamente quando o tinha, bebé, pousado no peito e pergunto-me se ainda terá o mesmo sabor a mel e limão. Há quanto tempo não lhe toco naquele seu pedacinho de pele com os meus lábios?
Olhando o prato de bife e batatas fritas - ele adora e que em casa não permito -, que o empregado coloca na mesa, à sua frente, Simão parece-me reconfortado e tranquilo. Respiro fundo, procurando sossegar. Vou tomar conta da situação. - Simão, eu sei que gostas da escola…. Manténs os amigos de sempre e já fizeste outros…
- Hum, hum… - Mastiga alguns sons junto de quatros pedaços de batatas que metera ao mesmo tempo na boca. – E?
- Tens algum amigo que te preocupe?
- Não!... – Um esgar no rosto, mostrando estranheza. Corta a carne suculenta enquanto não olha para mim.
- O que é que mais gostas de fazer com os teus amigos? – Se calhar escolhi o momento errado para conversar com o esfomeado do meu filho, mas não quero recuar.
- Há alguma coisa de que gostes e os teus amigos não gostem?
- De brócolos!
- Simão, estou a falar de alguma brincadeira, ou jogo, ou algum tipo de conversa que eles costumem ter… nos intervalos das aulas, por exemplo…
- Eu preferia que eles gostassem mais de brincar às escondidinhas ou às caçadinhas. Às vezes até consigo convencer alguns a brincar comigo, mas eles preferem voltar para os jogos do telemóvel e tu sabes… eu nunca levo telemóvel para a escola…tu não deixas!...
- Não precisas de telemóvel…. se tiveres de me ligar ou ao pai, pedes na coordenação da escola e fazem-te a chamada. Além disso, penso que o regulamento da tua escola impede-vos de levar os telemóveis para os recintos escolares, não podem fazer filmagens, etc…
- Eu sei. Mas tu sabes que muitos meninos levam… e muitas vezes não lhes acontece nada…não são castigados.
- Tu não és assim.
- Pois não. Mas muitas vezes sou apontado por ser o “certinho”. E não querem brincar comigo por isso…
- Não deve ser bem assim, Simão. E tu deves proceder de um modo que consideres correto para te sentires bem contigo próprio. Só assim é que os outros te respeitarão também.
- Eu sei. Mas tu sabes…às vezes alguns meninos maiores e mais fortes gozam os que se comportam melhor.
- E tu o que achas desses meninos? Conheces algum que te preocupe mais?
- Sim. Talvez o Marco.
- O que tem, o Marco?
- Não tem pais como eu.
- O que queres dizer?
- Que não vive com os pais, está numa instituição. Vive com outros colegas lá da escola e com outros mais velhos ainda, de outras escolas.
- Mas nem todos os meninos que estão institucionalizados se comportam mal, pois não?
- Claro que não. Só conheço o Marco e alguns dos seus amigos!
- O que é que o Marco costuma fazer?
- É muito bruto nas brincadeiras. Às vezes atira com meninos mais novos ao ar, dá-lhes “cachaços”, chama-lhes nomes feios, insultam as mães. Tu… Uma vez já te chamaram um nome muito feio e eu fiquei muito triste, porque sei que não está certo e que, se tu soubesses disso, também ficarias triste.
- Não, Simão. Eu sei que eles só te queriam provocar a ti. Aliás, não me conhecem de lado nenhum…
- Agora eu sei disso, mãe. Mas na altura ainda era muito novo e estava há pouco tempo naquela escola e nunca tinha ouvido dizer palavrões…
- Cresceste muito desde o início do ano letivo, Simão. Estou muito orgulhosa de ti. Mas alguma coisa anda-te a preocupar. Pensei que fosse algo relacionado com as companhias da escola, mas agora vejo que não é.
- Pois não.
- Então o que é, filho?
- Tenho medo que não gostes mais de mim, como dantes.
- Porque dizes isso?
- Porque sei que gostavas que eu fosse melhor aluno, tirasse melhores notas nos testes.
- Eu já te disse isso? Ou dei a entender?
- Não, mas ficas muito mais feliz sempre que eu recebo uma nota mais elevada. E eu queria que fosse sempre assim.
- Simão, tu sabes que eu e o teu pai ficamos felizes por seres um menino trabalhador e ficamos satisfeitos com as tuas notas, desde que sintamos que deste o teu melhor!
- Eu sei. Mas eu queria tirar melhores notas. Sei que vocês ficariam também mais contentes comigo. Mas às vezes sinto que não tenho memória para aprender todos os assuntos tratados nas aulas.
- Tu consegues estar atento nas aulas, Simão?
- Às vezes não.
- Porquê? Ficas a pensar em quê?
- Às vezes fico sempre a pensar em ti, no pai e na Joana.
- E pensas o quê, nessas alturas?
- Que, se calhar vocês vão deixar de gostar mais de mim. E que a Joana tira melhores notas, por isso, se tiverem que escolher um filho para ficarem, vão escolher a Joana.
- Sabes que isso é um disparate, não sabes? Nós nunca escolheríamos um filho em detrimento de outro…
- Talvez…. Mas há momentos em que tenho medo que isso possa acontecer.
- Isso é fantasia, filho. Na realidade, nunca vai acontecer. Prometo.
Simão sorri para o gelado que o empregado agora lhe coloca em frente dos olhos.
Suspiro e relaxo. Por agora, dou-me por satisfeita. Consegui conversar mais um pouco com o meu filho. Sei que foi muito bom, para mim e para ele.

SPO, Flash de Apresentação

APRESENTAÇÃO DO SERVIÇO DE PSICOLOGIA E ORIENTAÇÃO AOS ENCARREGADOS DE EDUCAÇÃO
O Serviço de Psicologia e Orientação integra-se nas estruturas de orientação educativa e colabora com os diferentes intervenientes educativos de modo a assegurar o desenvolvimento integral dos alunos.
Articula, na sua área de especialidade: com a Direção do Agrupamento Escolar e com as Coordenações dos Estabelecimentos de Ensino, com a Equipa de Educação Especial, com o Núcleo de Intervenção e Promoção para a Saúde, com os Diretores de Turma e Professores Titulares de Turma , com a Comunidade Educativa em Geral.
Domínios da intervenção do SPO
: Apoio psicopedagógico a alunos e professores Apoio ao desenvolvimento do sistema de relações interpessoais no interior da escola e entre esta e a comunidade Orientação escolar e profissional
Local de Atendimento
: Dispõe de instalações próprias, na Escola Básica Augusto Gil. Desloca-se às Escolas do Primeiro Ciclo /Jardins Escola sempre que solicitado ou se justifique.
Sinalização dos alunos
: Todos os alunos da escola podem usufruir do SPO, quer por livre iniciativa, quer por sinalização por parte do Conselho de turma, Diretor de turma, Professores, Encarregado de Educação ou outros intervenientes no contexto educativo.
Modalidades de intervenção
: A intervenção realizada por este serviço inclui a consulta psicológica individual e de grupo, a consultoria organizacional e a formação. Os alunos encaminhados pelo conselho de turma, diretor de turma, ou professores, carecem de autorização prévia dos respetivos encarregados de educação para que se efetue uma avaliação psicopedagógica. Existem contudo situações excecionais: Alunos em situação de risco, Alunos que procuram livremente o serviço de psicologia e orientação e que não tenham uma intervenção continuada, exterior à escola, Alunos sinalizados por entidades externas à escola, nomeadamente, Tribunal, CPCJ ou SS. Marcação de Consulta: Os Pais / Encarregados de Educação que pretendam recorrer ao Serviço poderão contactar diretamente a Psicóloga, pelo telefone externo ou da portaria, ou requerer atendimento através do diretor de turma ou da caderneta do aluno.
Particularidades na mudança para o segundo ciclo….
: Espaço escolar maior, Currículo mais diferenciado (mais disciplinas, mais professores, Convívio com colegas mais velhos, Necessidade de um maior autocontrolo comportamental, Maior exigência na aprendizagem...

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Alecrim na Escola de Comércio do Porto

No passado dia 20 de junho, o aluno Jorge Oliveira do 10º ano da Escola do Comércio do Porto apresentou o livro "Alecrim, Segredos, Intimidades e Emoções" à sua turma, no âmbito da disciplina de Português. A autora esteve presente, assistiu à exposição que o aluno fez acerca de si própria e do seu livro. Seguiu-se um momento de debate sobre a obra, sobre o processo de escrita, sobre as motivações da autora. Foi uma aula muito dinâmica, com a participação da turma, das suas professoras de Português e de Inglês e do Psicólogo da escola.

domingo, 29 de maio de 2016

Emoções na Adolescência


A voz de Maria chamou os olhos das duas irmãs.O coração de Inês ficou mais pequenino. - Eu sei que a minha família me ama e, por isso, não sei o que me falta. Muitas vezes eles olham-me, mas não sinto que me vejam. Também não me ouvem... E só me apetece gritar... Mas não grito. É como se não soubesse gritar... O Francisco grita, o pai grita e até a minha mãe sabe gritar! Eu não. (Maria, em Alecrim)

quinta-feira, 19 de maio de 2016