sexta-feira, 29 de abril de 2016

A ADOLESCÊNCIA, A AUTOMUTILAÇÃO E EU


Quem esteve presente nas apresentações do meu livro “Alecrim, Intimidades, Segredos e Emoções” sabe que o que me impulsionou a escrevê-lo foi uma forte preocupação com um caso que andava a acompanhar. Tratava-se de um adolescente que se cortava nos braços, normalmente à noite, com uma lâmina que retirava de uma gillette da mãe.

                Quando me apercebi desta situação, tomei igualmente consciência de que ela já ocorria há demasiado tempo, sem que as pessoas que lhe estavam próximas se apercebessem. Apesar da minha formação, este facto provocou-me uma enorme preocupação e ansiedade. Escrever sobre ele foi terapêutico, a forma que encontrei para lidar com o tempo que precisava para convencer o “meu adolescente” a permitir-se ser ajudado.

                Vou passar a chamar-lhe Sérgio. Trata-se de um nome fictício, como devem calcular, mas que me facilita a escrita deste texto.

                A dor do Sérgio era grande. Refiro-me à dor física, nos momentos dos cortes.

                Diz-se que as automutilações ocorrem como uma espécie de “moda”. Os adolescentes referem que seguem alguém através da Internet, conhecem alguém das suas relações mais ou menos próximas que o faz ou diz que faz e, como que num impulso, começam a copiar esse comportamento.

                Todos sabemos que a adolescência se caracteriza por um processo de crescimento que envolve transformações físicas, cognitivas, sociais e emocionais. As relações com os pais e com os adultos em geral alteram-se. Surge um querer experimentar o mundo à sua maneira, o desenvolver ideias que possam passar a considerar “os seus ideais”. Ocorre o desenvolvimento da sexualidade, as separações progressivas de uns, nomeadamente, os pais e as aproximações a outros, por exemplo, alguns colegas da escola. Normalmente aumenta uma preocupação com a aparência, um querer ser diferente, mas com tendência a vestir-se igual aos pares, ou a recorrer ao mesmo tipo de acessórios, maquilhagens,… de modo a sentir-se simultaneamente pertencente a um determinado grupo.

                No enquadramento que acabei de referir ocorrem frequentemente alterações de comportamento e crises relacionais, onde cada adolescente encontra uma resposta individual para lidar com cada situação com que se depara, mais ou menos influenciada pelos outros. Por norma, focam-se no “aqui e agora” e no “tem de ser”, negligenciando o futuro ou a consciencialização de todas as variáveis e consequências. Descobrem-se imersos num turbilhão, sentem-se incompreendidos pelos outros, não se entendem a eles próprios. Um dia, o Sérgio contou-me que os seus amigos o consideravam bipolar, o que me levou a explicar-lhe a sintomatologia desta perturbação, mostrando-lhe que ele não se podia enquadrar nela.

                Como provocam dor, as auto-mutilações normalmente são abandonadas por quem as pratica. Não foi o caso do Sérgio. Quando procurávamos as possíveis causas, atirava-me com um “sinto uma tristeza tão grande dentro de mim que me corto por ser mais fácil lidar com essa dor”.  É uma justificação possível, sim. Pode não ser a única, mas é muito utilizada.

                Com o tempo, o Sérgio foi-me dizendo que diminuía a frequência com que se cortava. Tendo por base o perigo de um descontrolo da situação, consegui convencê-lo a falar com a mãe. Estive presente numa reunião que foi tudo menos fácil para os intervenientes, mas em que ambos se comprometeram a recorrer a uma ajuda clínica.

                Constatando que cada vez mais jovens adotam este tipo de comportamento, deixo algumas dicas para quem se possa descobrir próximo de uma situação análoga a esta:

                - Procure manter a calma, por mais que lhe pareça impossível;

                - Quando falar com um destes adolescentes tente apontar alguns dos perigos da perda de controlo da situação (feridas profundas, cicatrizes permanentes, desenlace irreversível). No seu discurso, procure não utilizar expressões do tipo “Eu bem que te avisei…” ou “a tua atitude é ridícula e infantil” ou “desiludiste-me” e tente comunicar de uma forma clara, sincera e direta;

                - Procure convencer o adolescente a manter afastados os objetos que normalmente utiliza para se magoar;

                - Disponibilize-se para o ouvir, sem, no entanto, o pressionar a falar. Permita que a comunicação seja bilateral. Que ele tenha a oportunidade para falar sobre o seu ponto de vista e depois tente um “Na minha opinião seria melhor que…”. É importante saber mais e não acusar;

                - Procure estabelecer pontes com alguém da sua confiança, que sinta capaz de dar uma ajuda efetiva e tente que o adolescente concorde recorrer a essa ajuda.

                - Sempre que possível, promova a procura de uma ajuda profissional.

                Como disse antes, nas apresentações do “Alecrim” tenho tendência a falar do Sérgio. Quem leu o livro sabe que se tratou só do impulso, do meu ponto de partida. A história toca em muitas outras problemáticas da vida, mas fala essencialmente de sentimentos, de coragem e de procura de soluções. De construção e de felicidade.

                Como disse Sigmund Freud, “A felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido. Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz.” Na minha opinião, sentir que damos uma ajuda a outro nesta sua tarefa é muito gratificante. Podem até dizer que tem muito de ingenuidade, mas, a mim, faz-me sorrir.


               


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